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Atirou-se de olhos fechados. Só quería sentir a carne mole, húmida, escorregadia. A sua boca apetecía-lhe naquela boca, os lábios sorvidos, chupados, depois a ponta da lingua a achar a outra ponta da lingua até entrar toda e ficar a saber o sabor do céu da boca, dos dentes, dos segredos que se aninhavam. Lamber, lamber muito os lábios e prendê-los entre os seus até à dormência que entontece a cabeça.
Abriu os olhos, continuou no beijo quente, a admirar-lhe as pestanas caídas a cobrirem os olhos dela, a face escaldada do prazer.
Rodou a lingua dentro da boca dela, devagar, tacteando cada papila que se lhe colou, puxou mansamente o beiço inferior, beijou ao de leve aquela boca, aflorando, mal tocando, roçando...
E fechou os olhos para começar tudo de novo.
Não lhe custou vê-la afastar-se nem a dar o corpo aos abraços de outras mãos que não as suas. Nem o riso forçado a mostrar alegria que mal sentía.
O que doeu foi o beijo.
Assim. Entregue de uma forma qualquer sem cuidade nem respeito. O beijo a mostrar tudo, todos os segredos. Os dele e os dela. Um beijo que quería parecer igual aos que já sentira e agora a boca secava-lhe. Talvez de raiva. Ou despeito. Ou mingua.
Que interessava? Ali estava ela a beijar como se não fosse importante. Esquecida das tantas vezes que tinham feito amor apenas no aflorar dos lábios.
É na boca que começa. Que te tomo primeiro que tudo e te faço em eu, no meu, no que sou e não conheço. É na tua boca que me liberto e me domas como um animal enjaulado à espera da sua ração babando a fome de carne. Da tua boca. É nela que se inicia o ritual das águas, as salivas e os sémens, os fluidos e as lágrimas, o prazer e a dor do prazer. Somos principiantes, aprendizes de beijos toda a vida e nos teus lábios vejo linhas em que decoro palavras, depois esqueço-as só para que mas ensines de novo. Na tua boca. Vou até ao céu na ponta da lingua e no polme e afogo-me entre sentires e comoções. Beija-me devagar, leva de mim mas aos poucos.
Era tanto o bem que lhe quería que lhe tomou as mãos, aos poucos, os dedos em nós nos dele a aquecerem o que o coração esvaía em palavras caladas e no ruído dos olhos que se abraçavam.
Beijou-lhas nas costas. Depois no miolo, suave. Escondeu outros beijos nos pulsos.
E ainda fresca essa bonomia, deixou-lhe o sinal do beijo na testa bebendo do pensar toda a seiva que corre invisível.
Só depois a tomou nos lábios, nos cantos da boca que se fez rio e matou sedes.
Se dizía não que mais se podía fazer.
Que beijo é coisa que se dá sem se pedir, muito menos implorar, nem pensar em trocá-lo por outra riqueza.
Beijo é beijo, quanto muito rouba-se. Mas só às bocas que o querem ser, que de outra forma serão dentadas com marcas feias e fundas. E das marcas feias e fundas sempre é preferível a dos beijos que tiram o ar e o chão e o céu e cavam mundos novos para quem sente a boca como um animal.
Se é não, não será.
Ou será que é a boca que diz não quando os lábios mentirosos esperam sim, sempre mais e sempre sim...
No fim de tudo restava o caroço, a parte incomestível, o amargo e fibroso de uma fruta que tinha sido delapidada na boca que se entregara a risos e a silêncios, um compromisso sobejamente solene para quem se quisera.
Sobrava o cuspido, contentada a essência com o que houvera de alimento bom nas alturas em que a mão procurava o rosto e os olhos disparavam verbos de sol e o universo era uma palavra que se tinha inventado para eles.
Descartavam-se cascas, discussões e contratempos, raivas e juras, tão fortemente gritadas quanto o havíam sido nas noites sem horas de acabar.
Acabavam-se no beijo perdido, o mais sentido, o mais recusado de todos, o que ficou por despedir no fio de sabor que pudera tornar memória.
Depois de tanto tempo afastados as palavras não fazíam sentido, comiam-se umas nas outras, embrulhavam salivas na vontade demasiado rápida de consumir todo o oxigénio e extinguir a fome.
Saudades.
Um mar de saudades, imensas, desejadas de se entregarem nas mãos do outro, cravadas no peito do outro, uma quase violência de entrar na alma e aí se instalar de tanta dor agudizada na paixão.
Amo-te, queríam dizer calmos, mas todo o sobressalto era o melhor cenário, o único cenário tão próximo de uma morte bela em que se anseia o esquife nos braços do outro.
Não se lembram do que disseram ao mesmo tempo como um eco martelado nas pancadas do coração.
Foi no beijo pegado que melhor enterraram o tempo ausente.