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Um beijo técnico. Mas de convicção bastante para que quem os visse desejasse que não houvesse fim naquele encostar colado de bocas. Ou de queixo. Ninguém percebería se fosse executado como profissionais dedicados à arte. Depois, fora para isso que os primeiros havíam estudado e os segundos pago o bilhete. Não se esperava outra coisa. Um beijo técnico que não pareça outra coisa senão um beijo de amor, longo, húmido de lágrimas pois trata-se de um adeus. Ao aproximarem as bocas sentiram o morno dos hálitos, depois a moleza dos lábios, a seguir o contacto molhado das linguas. Corta! (Quem mandou sentir amor?)
Na admiração extrema que lhe dedicava sentía-se pouco ao dizer-lhe o quanto ela lhe era. Quería-lhe bem, um bem profundo e puro como uma protecção de amuleto que se oferece a quem se estima e se pede guarida aos anjos. Amava-a, mas não o amor de homem e mulher ou o outro fraternal e carinhoso, era um amor de fascinio, de pedestal, de homem para deusa, uma amor platónico e descrito nos romances à moda antiga. Quando dela se abeirou, baixou os olhos no respeito que lhe tinha e incapaz de outro gesto beijou-lhe a palma das mãos.
Quando quería atingir um propósito oferecía um beijo, assim como uma coisa rara, mas a intenção era tão banal que da pureza do acto nada sobejava para além do som de metal. E com o passar do tempo, foram-lhe escasseando os motivos para beijar. Ora porque se lhe tornaram conhecidos os intuitos, ora porque a beleza do beijo oferecido parecía disfarçada, ora porque a generalidade com que demonstrava a vontade lhe retirava o brilho do especial.
Um dia, pobre, teve de pedir para a beijarem.
E nunca tanto aquele beijo a magoou como outra dor que houvera sentido.
Preciso de manter a paixão, por qualquer coisa, por alguém, ou definho aos bocadinhos e dolorosamente lenta.
Por isso dei comigo a pensar em beijos. Não obrigatoriamente em beijos de boca mas o que o beijo quer traduzir no acto amoroso de se querer bem a outrém.
O beijo. O conceito. Os conceitos.
A poesia do beijo e os poemas ao beijo, o romantismo exarcebado nas palavras tantas que o beijo diz.
Deu-lhe um beijo de raspão mal sentindo se a boca dela estava quente, se ainda dormía ou se se entreabría para respirar pelas horas de sono. Ele fez o que o hábito lhe mandava: Despediu-se e foi-se.
Mas mal bateu a porta ela abriu os olhos, correu até à casa vizinha e antes mesmo que se fechasse a outras indiscrições o que ali iría acontecer, ela dirigiu os lábios, húmidos, sedentos, sofregos. (O beijo). E traidores.
Nem de ameixa, framboesa ou morango: Baton algum lhe dera o sabor especial e requintado que o beijo dele lhe pintara na boca. Deixara-lhe um traço brilhante, uma réstia de saliva comungada nas bocas silenciosas que se beberam pela eternidade. Os beijos têm cor, paladar e cheiro, depositam nos lábios alheios o que de si veio de dentro e sorvem no requinte indelével a marca do outro. Não, não havía maquilhagem melhor que o beijo dele, os beijos dele em profusão, longos e lentos, e depois os outros soletrados na afeição da pele da boca ou então o solitário, tão grandioso como um poema.
Muito próximos um do outro, quase abraçados. Ela de cabeça ligeiramente vergada pelo peso da saudade que irá sentir, as lágrimas ainda no brilho, lagos no peito, voz mordida. Ele à sombra da aba do chapéu de caxemira fala-lhe no que tiveram, o que sempre hão-de ter. Por cem anos que passem nunca lhes hão-de roubar o beijo. Foi em Paris? Que interessa... Foi o beijo deles, a singular entrega que a boca passa à outra nos segredos profundos de quem se quer. Despedem-se. Os lábios só servem hoje para dizer adeus. As palavras beijam-se.
Não, beijos não, como beijar se a vontade é bater, gritar, chamar o inferno aqui e agora, queimar tudo raso?!
Beijos para fingir que está tudo bem? Tudo esquecido?
Beijos para perdoar quando o peito está rachado ao meio e não consente?
Beijos são para amor, perdão, para vem até mim e toma o que te sou!
Hoje não sou beijo, nem um pouco, sou ferrão, sou sangue, sou amargura!
Não... Beijos não... Como podía? Se já te beijei ao amar-te e agora não te quero mais?